Denegrir o branco do papel com as letras da minha caminhada me parece uma proposta estranhas ,pois nunca tive a oportunidade de escrever sobre mim,sempre fui craque em escrever e descrever a história dos outros.Mas farei! E vou inciar dizendo que eu era um fio e na minha caminhada fui juntando miçangas, hoje me considero uma mulher adornada de conhecimento e de consciência do que é ser negra.
...E o amor aconteceu entre meus pais e como fruto desse amor cheguei ao mundo no dia 04 de abril do ano de ( há! isso não interessa tanto rs) na cidade de Camamu.Saindo do interior vim com minha mãe para Salvador com apenas alguns meses de vida, passamos então a morar no bairro do Fazenda Garcia, local onde mora meus familiares paternos . E assim fui crescendo cercada do amor dos meus familiares, até que chegou o momento de sair do casulo familar para enfrentar um ambiente mais coletivo e assim fui matriculada em uma escola.
Inicialmente estudei em uma escola particular no bairro do Garcia , lá foi onde pude começar a ver as particularidades caracteristicas existentes entre mim e os meus colegas brancos,em sua maioria.Essas particularidades por mim notadas vinham desde as características físicas até a distinção feita entre mim e meus "amiguinhos" pelos professores. Costumo dizer que a escola é o primeiro local onde uma criança negra é totalmente exposta as práticas racistas. Tendo em vista que é no ambiente educacional o local ondea criança negra começa negar a sua identidade enquanto negra.
Ora! Como não me negar diante de tantos aspectos com os quais eu não me identificava devido as minhas características . Eu não era comparada aos personagens de histórias contadas pelos professores, eu nunca fazia parte das peças organizadas pela escola e nunca podia soltar meus cabelos nos dia do banho de mangueira, prática comum entre as outras crianças: a mim era negada sob a alegação da dificuldade de pentear meu cabelo depois. Essas e várias outras limitaçãoes somadas a falta de representividade negra dentro da escola fizeram com que eu me tornasse uma criança recalcada.
Com o passar da minha idade fui tentando me libertar de tudo que me identificava como negra.Para assumir características físicas e culturais de uma história que não me pertencia, alisei os cabelos,comecei a me vestir como as colegas brancas e negava as religiões de matrizes africanas.O mais engraçado de tudo isso era que eu fazia de tudo para me adequar aos aspectos exigidos pela sociedade racista e por mais que eu fizesse,eu não era aceita e as exigências sociais continuavam a aparecer; na mídia,na escola ,com os amigos, cada vez mais e em níveis mais elevados e agressivos. Isso me colocava em um dilema que trouxe uma série de prejuízos a uma época da minha vida que nunca irá retornar.
A história única imperou na minha vida da minha infância até o inicio da minha idade adulta , por isso refletir sobre essa fase dificíl da minha história só me faz perceber o quanto é nocivo o que a sociedade racista impõe as crianças e adolescentes negras lhes negando o conhecimento da história do negro,lhes negando o direito de saber dos nossos reis e rainhas, da nossa riqueza cultural, da nossa luta pela liberdade, dos grandes líderes negros e negras, da nossa literarura...Infelizmente a história do ponto de vista do negro não nos é passada na escola, o que lá aprendemos é sobre o sofrimento dos negros , sua passividade diante das dificuldades impostas pela escravidão e da generosidade de uma princesa que se sensibilizou resolvendo nos libertar. Essa escravização histórica pela qual eu passei fazia com que eu não me sentisse incluída e nem representada dentro dos espaços sociais, reduzindo a minha auto-estima e consequentemente o orgulho de ser negra.
No 3º ano do ensino médio e com 17 anos conheci o quilombo educacional Stive Biko,o divisor de águas em minha vida.Ingressei no curso pré vestibular da instituição e lá percebi que eu estava em um ambiente diferente ,uma sensação de acolhimento e de conforto antes sentida apenas no aconchego familar fez com que eu pudesse ter prazer em estar em um local coletivo.Na Biko, eu pude conhecer uma outra história, uma história que me representava, comecei a me reconhecer e a me orgulhar de ser uma mulher negra com meu cabelo,meu nariz e com todas as outras características negras que antes sussurravam timidamente e logo passaram a gritar no meu corpo , no meu discurso e até mesmo em meus pensamentos.
Esse conhecimento proporcionado pela Biko fez com que minha auto-estima se elevasse me auxiliando para que eu conseguisse passar no vestibular da UFBA, tarefa que antes eu considerava impossível .No ano de 2008, eu entrei na Universidade no curso de Secretariado Executivo, um curso importante com suas especificidades, mas que não contemplava um debate no que tange as questões sociais e racias.Inconformada com essa deficiência do curso, aliada a um prévio conhecimento do curso de Letras no ano de 2009 resolvi prestar novamente vestibular,passei e no início do ano de 2010 dando inicio a uma nova etapa da minha vida.
Após cursar 2 semestres do curso de Letras e de me envolver bastante com quetões políticas, eis que encontro um outro ambiente onde volto a me sentir acolhida e segura o PET/COMUNIDADES POPULARES, programa que trabalha com questões que mexem diretamente com a minha essência. Mas essa já é uma outra história da minha vida que eu ainda não posso contar,pois continuo a catar as miçangas, não sei ao certo onde nem quantas vou precisar, mas adianto que serei a única responsavel pelo adorno do colar Jaciara, já que agora aprendi e me apoderei do direito de montar e escrever uma história diferente para a mulher negra.
Jaciara Santos Nascimento