domingo, 20 de março de 2011

Quando a discriminação nasce: O papel da escola no que tange ás peculiaridades das características raciais.


 
"Quero todo solto!" foi assim que ela estreou a sua autonomia verbal. Quando a criança negra vai pela primeira vez a escola, ela chega a casa chorando cristalinas tristezas. Tudo começa por um fio saliente que se multiplica por toda a sua cabeça e em seguida desce perpassando pelo seu pequeno corpo ainda em formação, mas essas características sempre estiveram ali! Embelezando-lhe e versando sua beleza e identidade negra. O que aconteceu foi que as características agora deixaram de ser compartilhadas apenas em casa. Calada, a criança é tragada pela sua "nova" imagem refletida pelo espelho da discriminação. Ela toca seus cabelos sem desconfiar que aquele seja um dos autógrafos mais expressivos e incômodos da singularidade da sua raça. Penetrando sua pequena mão entre os fios da sua existência, seus dedos são barrados bruscamente assim como foi feita com a sua auto-estima ao se apresentar a um ambiente coletivo. Sem consciência do que estava sofrendo. Ela não consegue conter o silêncio das lágrimas e verbaliza em duas palavras a impressão que lhe causou a recepção escolar. "Sou feia!". O protesto ecoa pela casa e retorna como uma faca penetrando em seus ouvidos ironicamente agora não mais protegidos pelos seus cabelos crespos, pois estes já estavam acorrentados pela chucha da opressão.


     O corpo fala a respeito de o nosso estar no mundo, é através dele que fica representada a nossa localização história na sociedade. Em um país como o Brasil onde a conjuntura estética esta estagnada nos padrões de beleza europeus é inevitável que o corpo ao mesmo tempo em que represente algo natural e comum aos homens, também seja visto como algo simbólico que crítica, contesta e desumaniza pessoas.   

    O ingresso escolar sem dúvida é o processo de construção identidária para um indivíduo. É no ambiente educacional que além de compartilhar os conteúdos convencionais, também se compartilham: valores, crenças, hábitos e preconceitos. Tendo em vista o contexto histórico do negro no Brasil, podemos notar que as características físicas do negro se afastam do padrão europeu já estabelecido no Brasil, por isso é inevitável que as "implicações" que tangem as relações raciais também estejam presentes no ambiente escolar.

   Se o início da vida escolar, é uma prática difícil pelo fato da criança perder o protagonismo que se tem no seio familiar,a experiência fica ainda mais estigmatizante quando as características físicas dessa criança vão de "confronto" com um padrão estético já estabelecido pela sociedade.A Escola é uma instituição que impõe padrões de currículo, de conhecimento, de comportamentos e também de estética que causam tendências que quererem uniformizar um padrão físico de "apresentação" escolar,trazendo um constrangimento ao início da vida social da criança.

    Dentro da escola as crianças negras são vítimas constantes de intenções "higienistas.", olhares maliciosos, piadas e apelidos pejorativos aspectos que irão trazer a tensão e a vergonha da exposição e exploração do corpo pelo aluno, meio de comunicação essencial para o bom desenvolvimento em sala de aula bem como fator de extrema importância para os relacionamentos interpessoais, aspecto de fundamental para a vida em sociedade.Como podemos perceber pertencer a um segmento étnico/racial faz toda a diferença nas relações estabelecidas entre os alunos, nos momentos de avaliação, nas expectativas construídas no desempenho escolar e na maneira como as diferenças são vistas e tratadas.

     Tendo em vista o exposto percebe-se que a escola não pode mais camuflar a questão da identidade e estética negra.A abordagem deste assunto deve ser feita para além do vinte novembro, as questões racias tem que estar na sala de aula no dia a dia atreladas as teorias escolares, dessa ação depende que o Brasil rompa totalmente o fio de padrão de beleza que ainda une o país a colonização europeia,fazendo com que criemos a nossa identidade estética que certamente não terá padrões .
                                                                                      Jaciara Santos Nascimento

                                                                                                 

7 comentários:

  1. Muito bem Jaci. Quero lhe ver cada vez maior, Grandiosa nas palavras e na bandeira que levantas.
    Lembro que quando na sexta série, uma professora pediu para que fizéssemos uma lista de descendência. Logo todos afirmaram ser descendentes de eropeus, inclusive eu, que tolo, mesmo sabendo que assim como outros, a cor e os trejeitos físicos gritavam além da cultura clamufada. A professora se espantou e disse que todos ou a maioria eram negros.Zerou a tarefa de todos, mnos de um alemão que tinha na sala, pois ele era de fato alemão, enquanto os outros foram para casa pensando no seu papel preconceituoso perante o século XXI.
    Jádison Coelho

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  2. Negona, parabéns! Questões extremamente pertinentes sempre. Saudações

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  3. puxa vida amiga, muito bom o texto! se esse dircurso nao fizesse parte apenas do mundo das ideias e particesse para pratica nao seriamos traumatizados e nao necessitariamos de uma arsenal de teorias e fatos para nos convencer de que somos lindos e capazes.

    aproveitando o ensejo, visitem o blog de EBA: ENSINO EM BASE AFRICANA. http://eba-ensinosembasesafricanas.blogspot.com/


    afrobeijos!

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  4. Quanto mais escura sua pele, seu nariz largo, seus lábios carnudos, seus cabelos crespos mais acentuada é a perseguição racista que começa muitas vezes no local onde deverias ser o melhor local para se desconstruir o câncer em metastase que mora na mente de vários opressores.

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  5. Muito bom texto preta...
    Lembro muito bem dos meus tempos de escola...Nossa como Chorei!!!
    Os brancos,eles tentaram apagar minha história, onde na escola só aprendi sobre os herois brancos, nunca me falaram sobre zumbi... Pq será?
    CORTARAM!
    Nossa raiz desde cedo
    ARRANCARAM!
    Nosso cordão umbilical
    FIZERAM!
    O povo todo ter medo
    NOS DERAM!
    Uma condição marginal mas
    CHEGA!"...
    OPANIJÉ

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  6. Pôxa Jaci, pra ler seus textos é preciso estar, primeiro, preparada. Cada palavra lida e um misto de lembranças tristes, dolorosas e envergonhantes passeiam em mim. A escola é realmente uma das maiores máquinas ideológicas da sociedade. É nela que os estigmas e estereótipos são passados da maneira mais covarde porque, crianças e sozinhas, somos totalmente indefesas e manipuláveis. Eu passei a minha infância toda acreditando ser 'loirinha', imagina? Nunca me disseram que era sarará, ou quando me diziam eu achava o maior xingamento. Até que fui crescendo e ouvindo cada vez mais os apelidos sarará, gata russa, cabelo de fogo. Passei a adolescência querendo fugir da cor amarelo do meu cabelo, pq tinha vergonha, então pintava de vermelho, de verde, de preto... Hoje? tô nem aí pra o cabelo, me preocupo é com o meu bem estar intelectual porque é dele que provém e proverá o que realmente importa pra ser feliz.

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  7. Olá, parabéns pela iniciativa, mas... o problema não está nas pessoas fazerem piadas pejorativas, mas em aceitá-las ou não, vejo que aceitamos de forma passiva porque nem conhecemos nossos direitos/leis muito menos a história do nosso povo, experimenta perguntar a um negro de forma aleatória pelo menos cinco personalidades negras da nossa história...Estou coordenando um projeto aqui em SP acho que podemos trocar uma ideias.
    demkt@hotmail.com

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